domingo, 12 de junho de 2011

A recruta

Tudo começou no dia 7 de Julho de 1970, quando fui incorporado no Exército, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, no CSM - Curso de Sargentos Milicianos, onde tirei a recruta.
Foram cerca de dois meses e meio durante os quais eu e os meus camaradas de infortúnio fomos sujeitos a um tratamento a que não estávamos habituados, desde a alimentação até às provas físicas e psicológicas a que nos sujeitaram.
A instrução era muito dura. A disciplina militar era muito rígida, tínhamos de andar sempre com as botas impecavelmente limpas e os botões da farda a brilhar. As progressões nocturnas na Ribeira de Santarém, onde desaguavam os esgotos da cidade, eram violentas e muito frequentes.
Uma das primeiras coisas que nos ensinaram foi identificar os postos/patentes da hierarquia militar, uma vez que tínhamos de fazer continência a todos os sargentos e oficiais que encontrássemos, quer no interior do quartel quer no exterior. Não fazer continência a um superior hierárquico podia significar, no mínimo, um fim-de-semana sem sair do quartel. Como os postos militares são muitos, a nossa primeira preocupação foi decorar que as divisas pertenciam à classe de sargentos, os galões aos oficiais e as estrelas aos oficiais superiores. A todas estas classes tínhamos de "bater a pala", para evitarmos surpresas.
Foi assim que surgiu uma situação caricata. Como em Santarém havia, também, o COM - Curso de Oficiais Milicianos e os cadetes que o frequentavam, que tinham entrado para a recruta na mesma altura que nós, usavam divisas com estrelas prateadas, sempre que os encontrávamos fazíamos-lhes a continência, por pensarmos que eram oficiais superiores. Por sua vez os cadetes entendiam aquele procedimento como atitude provocatória. Porém, a situação acabou por esclarecer-se rapidamente.
Em 27 de Julho de 1970 ocorre a morte de Oliveira Salazar, na sequência do trambulhão que deu de uma cadeira em 3 de Agosto de 1968, proporcionando-nos a hipótese de uma escapadela até às nossas casas, uma vez que eram concedidos dois dias de licença a quem quisesse assistir às ceremónias fúnebres do ditador. A maioria gozou os dois dias de licença, mas duvido que alguém tenha ido assistir às cerimónias.